domingo, 13 de março de 2011

Já sabe o que vai fazer?







Por Ignácio de Loyola Brandão

Aos 17 anos o filho ouviu a pergunta dos pais, que se mostravam ansiosos:

– Então, já sabe o que vai fazer?

– Estou pensando.

– Os vestibulares estão aí, ninguém espera.

– Ainda não decidi.

– Quando vai decidir?

– Eu também me pergunto. Tem tanta coisa!

– O que vai te dar segurança?

– Não sei. Alguma coisa na vida dá segurança?

– Como vai sustentar a família?

– Que família? Nem tenho namorada, pai!

A mãe estava ouvindo, quieta. Entrou na conversa:

– Pois está na hora de ter uma. Para endireitar essa vida!

O filho voltou-se para um, para outro, chutou o chão com a ponta do tênis.

– Quer dizer que são duas decisões? Profissão e namorada?

– Com a tua idade eu já trabalhava, assim me aposentei cedo.

A mãe voltou à carga:

– Nunca pensou lá na frente em uma boa aposentadoria, uma vida calma, filhos e netos...?

– Mãe, eu tenho 17 anos... Aposentadoria? Nem acabei o colegial, nem fiz vestibular, nem tenho emprego.

– Mas já é um homem! E homem tem de saber o que fazer! Como vai ganhar dinheiro?

– Pensam que é fácil? No tempo de vocês, já que falam tanto desse tempo, que nem sei qual é, era mais fácil. Tinha quatro ou cinco coisas. Banco, comércio, medicina, engenharia, advocacia, farmácia, funcionalismo público.

– Coisas que permitiam uma carreira, meu filho.

– Vocês pensaram no sonho?

– Que sonho?

– No meu sonho.

– E qual é o seu sonho? Vamos! Diga! Quanto dinheiro vai ganhar com o seu sonho?

– Não sei, ainda não estou dentro dele.

– Sonhos são bons para sonhar. Mas o que seria da vida real, do pé no chão, do dia-a-dia?

– Tem tanta coisa. Pensei em ser designer, gosto de desenho, de fotografia, de cinema. Ou ser paisagista. Pensaram? Desenhar jardins com plantas? Ou artista plástico! Biólogo é uma profissão legal, saber sobre a vida de tudo. Químico é outra que posso curtir numa boa. Ou físico. Meu sonho mesmo era ser astronauta...

– Estamos vendo, vive no mundo da Lua! Desça na Terra, menino!

– Menino? Olha a minha idade.

– Pé no chão.

– Numa boa posso ser arquiteto, médico. Cirurgião de cabeça. Um transplantador de corações e órgãos. Verdade. Pensaram? Ou construir pré­dios enormes. E gastronomia? Ser chef. Querem coisa melhor? Ou perfumista. Comandante de avião.

– Avião? Avião nem pensar, pelo amor de Deus.

– Encadernador, enólogo. Adoro vinho.

– Pé no chão, meu filho. Está flutuando!

– Está todo mundo no ar, pai! Pensa que não converso com ninguém? Pensa que é fácil nesse mundo de hoje? Informática. É um caminho. Mas em que especialização? E dentro dessa especialização, em que campo? Nesse campo, em que segmento? Há milhares de nichos, profissões, ofícios, trabalhos, mas qual será o meu? Gosto de tudo.

– Quem gosta de tudo não gosta de nada. Igual a jogador que joga em todas as posições e acaba não jogando em nenhuma.

– Outro dia, entrei numa faculdade, fui a departamento por departamento, olhando, investigando. Esse mundo de hoje é louco, pai. Tem milhões de profissões e milhões de desempregados. Uma coisa é legal, não dá dinheiro. Outra dá dinheiro, não é legal. Olha, vocês esqueceram dessa minha idade, ou talvez naquele tempo fosse diferente. Agora, é uma angústia desgraçada. E se eu errar? Perco quantos anos?

Os pais até que concordavam, procuravam uma forma de ajudar, não sabiam. O mundo atual é cheio de armadilhas, todo mundo fala em empreendedorismo, em investimento, em mil cursos, phd, mba, estágios, bolsas, pedem experiência, mas como ter experiência antes do primeiro emprego?

– Você tem a vida toda pela frente...

– Todo mundo diz isso, é clichê, gente. O mundo está apressado, veloz, apressam a gente para escolher, decidir, encaminhar, resolver. Como solucionar a vida nessa idade?

A mãe decidiu:

– Quer saber? Siga o sonho.

– E se eu errar?

– Somente você fará essa cobrança. Os sonhos se reciclam. Escolha, desiluda-se, canse, mude, a vida é sua, ninguém pode te cobrar.

– Siga o sonho. Obrigado, mãe. Agora é só encontrar esse sonho.

Ignácio de Loyola Brandão, 72 anos, é escritor e jornalista, tem 32 livros publicados. Recebeu em 2008 o Prêmio Jabuti de Melhor Ficção com o livro O Menino Que Vendia Palavras.

3 comentários:

  1. Muito legal esse texto! Serviu de bastante inspiração. Devemos sempre seguir nossos sonhos (:

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  2. A escolha da profissão é difícil, pois com 17 anos somos como o adolescente do texto, que mal sabe o seu sonho...

    lindo texto, realmente inspirador!

    Arissa.

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  3. Oi, Arissa!
    Que bom que você gostou do texto!
    Espero que os seus pais também tenham compartilhado do seu sentimento.

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