VAMOS
SER QUEM SOMOS
Lya
Luft
Revista
Veja de 21 de novembro de 2012
Tanto
tenho lido e escutado sobre diferenças, preconceitos, o politicamente correto
(detestável na minha opinião, hipócrita e gerador de mais preconceito), que
começo a pensar se não devíamos nos livrar das exigências, receitas, códigos,
ordens, enquadramentos rigorosos e por vezes cruéis desta nossa cultura atual,
Cultura que propaga liberdade, mas nos veste camisas de força umas sobre as
outras, lá vamos nós carregando esse ônus, e achando que somos livres – mas nem
sabemos o que queremos.
Não é
fácil descobrir quem a gente é: primeiro, estamos sempre mudando. Na essência
somos alguém, mas algumas camadas legítimas da nossa alma (psiquê, mente, não
me importa) vão se transformando, para melhor ou pior (quem sabe o que é isso?)
com o passar do tempo e as circunstâncias. E as escolhas nossas, claro.
Conseguimos ser mais abertos ou nos fechamos mais; ficamos mais lúcidos ou mais
alienados; enfrentamos o mundo de peito mais ou menos aberto ou nos
anestesiamos com drogas, bebida, remédios; queremos verdadeiros afetos ou
deliramos num sexo sem ternura nem parceria; enfim, escolhas ou destino, e
alguma coisa muda.
Porém
dentro do que de verdade somos, ainda que não sabendo muito bem, poderíamos ser
fiéis a nós mesmos. Mas as pressões externas se tornam internas, o diabinho do
espírito de manada sopra em nosso ouvido, é isso aí, vai ser da turma, vai
fazer isso e aquilo, e ser assim ou assado. e se vestir (ou despir) conforme a
moda, e tudo vale o sacrifício. Porque se botamos a cabeça fora da manada,
saindo um pouco que seja do rebanho, aparece alguém pra cortar cabeça, braço ou
pernas que ficaram fora do quadro. Como? Você na foi àquele vernissage, não
visitou aquela cidade não viu aquele filme, não frequenta aquela academia, não
transa tantas vezes, e daqueles jeitos que hoje são os melhores, não tem aquele
vibrador, ou vibrador nenhum, que coisa mais sem graça! Você tem só vinte
amigos em uma rede social? Eu tenho mais de mil, em outras muito mais, nunca
estou sozinho, tenho um milhão de amigos.
E nos
sentimos de fora, nos sentimos pobres, sem jeito, esquisitos até para nós
mesmos. Mas, porque motivo, se nos sentimos bem com essas limitações, com nossa
pobreza nas redes sociais, se não conhecemos bem Paris, não frequentamos
academia, ou não aquela mais chique, não estamos dentro dos padrões, estaríamos
errados? Nem aceitamos policiamento da linguagem, imaginem! Ainda uso a palavra
“negro” por exemplo, porque quando começava, burramente, a pensar em
“afrodescendente”, me achando ridícula – porque tenho negros muito próximos, e
árabes, e para mim são todos apenas pessoas -, me dei conta de que existe uma
banda excelente chamada Raça Negra, que os negros batalham pela valorização da
negritude, que as cotas nas universidades vão para “negros autodeclarados”.
Isso faz o politicamente correto parecer incorreto. Se sou de uma cor de pele
ou outra, mais agitado ou sossegado, gordo ou magro, ativo ou reservado, por
que eu teria de mudar quando surge algum esperto querendo dar ordens? Tem gente
que se sente à vontade sendo mais fechado, mais tímido, poucos amigos, mas
verdadeiros, e aí fica inquieto porque teria de ter cem, ou mil.
Quero
deixar claro aqui que nada tenho contra redes sociais, uso alguma vez o Facebook
ou outro, mas nem precisei de mil amigos, nem critico quem os tem. Pois sou
mais para reservada do que social, coisa minha. O que me interessa é que a
gente tenha consciência de que não são os duzentos ou mil aqueles a quem posso
telefonar no meio da noite dizendo “estou mal” e virão correndo me ajudar. O
que quero dizer é que é bom, bonito, natural, ser natural: com olhos azuis ou
chineses, perfil árabe ou cabelo crespo. É bom, bonito, ser tímido ou
extrovertido (desde que educado nos dois casos), até mesmo ser meio esquisito,
fechado, contemplativo.
Tudo é
positivo se é natural, exceto grosseria, cinismo, hostilidade. E a gente sempre
pode melhorar, desde que não seja apenas para ser como os outros querem – e que
não seja “do mal”. Aí é chato demais.
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